Violência contra a mulher: por que algumas pessoas são mais suscetíveis à violência?
- Calúzia Santa Catarina

- 19 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de ago.

Você já percebeu como duas pessoas
expostas à mesma situação podem reagir de formas muito diferentes? Enquanto uma mulher não aceita sequer um grito, outra suporta anos de violência.
De fora, pode parecer simples. Alguns pensam: “Se fosse comigo, eu já teria saído”. Outros julgam: “Ela não saiu porque é fraca”. Eu compreendo esse pensamento, ele também nasce de uma história de vida. Mas será que não vale a pena ampliar o olhar?
A literatura já nos convida a pensar sobre isso. Clarice Lispector escreveu: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.” Muitas mulheres que permanecem em relacionamentos abusivos não estão apenas presas a um parceiro. Possivelmente, estão presas também a histórias antigas, a silêncios que se repetem, a crenças aprendidas cedo demais de que não merecem mais.
E a ciência confirma o que a literatura sussurra. Pesquisas da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021) mostram que mulheres expostas à violência na infância têm risco significativamente maior de viver relações abusivas na vida adulta. Lenore Walker, psicóloga norte-americana, descreveu o “ciclo da violência” (1979), mostrando como, pouco a pouco, a agressão se instala: primeiro um controle, depois uma crítica, um empurrão, até que a mulher naturaliza situações que antes lhe causariam estranhamento.
Além disso, é importante lembrar que cada pessoa lida de forma diferente com as próprias emoções. Para muitas mulheres, o descontrole pode aparecer como medo intenso, ansiedade ou sensação de impotência, sentimentos que dificultam sair da situação de violência. Já nos homens, o descontrole pode se manifestar em vergonha, raiva ou frustração, que, quando não reconhecidos ou elaborados, podem ser canalizados em comportamentos agressivos. Ou seja, tanto o silenciamento de emoções quanto sua explosão desmedida podem alimentar o ciclo da violência.

A infância e a história de vida podem marcar profundamente, influenciar crenças e moldar formas de sentir, viver e se relacionar. Ainda assim, isso não significa uma sentença definitiva: nem todo homem que presenciou violência se tornará agressor; nem toda mulher que cresceu sem afeto aceitará viver sem ele. O que faz diferença são os recursos internos e externos: se houve alguém que escutou, se existiu uma rede de apoio, se ela ou ele teve chance de se sentir considerada(o).
E aqui fica o convite: que tal a gente transformar julgamentos em perguntas? E se aquilo que você chama de ingenuidade for, na verdade, sobrevivência? E se a permanência não for burrice, mas a única forma que aquela mulher encontrou de resistir até agora?
E se, ao invés de apontar o dedo, a gente se aproximar e oferecer diálogo?
Carl Rogers, um psicólogo e pesquisador importante, dizia que “quando alguém nos escuta com empatia, ficamos mais próximos de nos escutar também”. Talvez seja por aí: menos julgamento, mais diálogo. Menos certezas, mais perguntas. Porque compreender não significa concordar, mas pode significar crescer, como pessoas e como sociedade.
Pequenas atitudes, grandes mudanças: o que cada um pode fazer contra a violência?

Quando falamos em violência, muitas vezes a sensação é de impotência: “é um problema grande demais”, “não posso fazer nada”. Mas será que é assim mesmo?
Pesquisas em neurociência mostram que, diante de situações de ameaça, nosso cérebro tende a reagir em dois polos: fuga ou ataque. Isso ajuda a entender porque tantas mulheres ficam paralisadas pelo medo e pela ansiedade, e porque tantos homens, ao não conseguirem lidar com a vergonha ou frustração, podem explodir em raiva.
James Gross, pesquisador sobre regulação emocional, aponta que não é a emoção em si que determina nossos atos, mas sim a forma como aprendemos a regulá-la. Ou seja: todos podemos desenvolver recursos internos para lidar melhor com nossas emoções, reduzindo riscos de violência e aumentando as possibilidades de escolhas mais conscientes.
Mas não basta esperar que o outro mude. O que eu posso fazer no meu círculo, na minha comunidade, no meu trabalho, na minha família?
Mulheres podem apoiar outras mulheres, homens podem apoiar outros homens, e todos nós podemos nos responsabilizar por cultivar relações mais respeitosas. Isso significa oferecer escuta sem julgamento, intervir quando presenciamos falas ou atitudes abusivas e, sobretudo, propor reflexões diferentes nos lugares em que estamos inseridos.
Eu mesma procuro fazer isso: quando ouço comentários preconceituosos, tento trazer um olhar que convida à empatia e ao respeito. É pouco? Talvez. Mas é algo.
Lembro aqui da fábula do beija-flor: enquanto a floresta pegava fogo, ele carregava pequenas gotas de água no bico. Os outros animais riram, mas ele respondeu: “Estou fazendo a minha parte”.
Que possamos ser como o beija-flor. Porque pequenas atitudes, multiplicadas, podem transformar o mundo em que vivemos.




