Cicatrizes invisíveis: a infância como marca (mas não sentença)
- Calúzia Santa Catarina

- 24 de set.
- 3 min de leitura

A infância nos molda. É nesse tempo que aprendemos o que é cuidado, afeto, segurança ou, em muitos casos, ausência disso tudo. Quando a criança é exposta à violência, cresce em um ambiente onde o medo, o desrespeito ou a negligência se tornam parte do cotidiano. Essas experiências podem se transformar em cicatrizes invisíveis que seguem conosco pela vida adulta.
Pesquisas mostram o fenômeno da violência intergeracional: meninas que sofreram violência têm maior chance de se tornarem mulheres mais vulneráveis a relações abusivas, enquanto meninos expostos podem se tornar adultos que repetem a agressão. Mas isso não é sentença: a história vivida influencia, mas não aprisiona.
Cicatrizes que ecoam na vida adulta

As marcas da infância nem sempre aparecem de forma explícita. Muitas vezes, surgem como modos de sentir e agir no mundo:
Dificuldade de confiar em si mesma e reconhecer o próprio valor.
Sensação de não merecer conquistas, conhecida como síndrome do impostor.
Medo de impor limites e dizer “não”.
Tolerância maior à violência por ter aprendido que o afeto pode vir misturado ao sofrimento.
Tendência a se envolver em relações que repetem padrões de desrespeito.
Esses sinais não significam que alguém esteja “condenado”, mas revelam como experiências precoces podem continuar reverberando, mesmo muitos anos depois.
Liberdade experiencial: quando é possível ser quem se é

Se a infância pode deixar cicatrizes, ela não define destinos. Existem fatores de proteção que abrem caminhos de superação: vínculos saudáveis, acesso à psicoterapia, apoio social, educação emocional, políticas de proteção à infância. Muitas vezes, basta a presença de um único adulto sensível e disponível para que a criança encontre um ponto de apoio e descubra novas formas de existir.
As experiências do passado podem servir como aprendizado para escolhas no presente e no futuro. Ser autêntica(o) significa reconhecer e comunicar o que se sente, sem precisar aceitar situações que não deseja, seja por medo de agressão, abandono ou rejeição.
Relações saudáveis são aquelas que respeitam e incentivam a liberdade experiencial: a possibilidade de viver o que se sente e se é, em sua inteireza.
Essa liberdade não é apenas falar, mas perceber se a relação realmente acolhe a expressão ou se a limita. A autenticidade também envolve reconhecer quando o espaço de convívio não permite que você seja quem é, e escolher caminhos que preservem essa liberdade.
Transformar cicatrizes em caminhos

A infância pode ter deixado marcas, mas não define toda a história. O passado pode ser transformado em aprendizado, como sementes que, mesmo plantadas em terra dura, encontram uma forma de florescer. Viver de maneira autêntica é ousar reconhecer o que se sente, comunicar o que se deseja e escolher relações que respeitem a liberdade de ser quem se é.
Sua história te influencia, mas não precisa ser sua prisão. Porque quando descobrimos um propósito, um sentido para existir de forma inteira e verdadeira, ganhamos forças para atravessar até mesmo os caminhos mais difíceis.
Lembre-se: “Quem tem um porquê, enfrenta quase qualquer como”.




